sábado, 31 de março de 2012

ELEGIA DO AMIGO MORTO (LYA LUFT)

Quando as palavras nos chegam de forma esclarecedora e doce para nos confortar em algum momento de nossas vidas...
“Foram-se os bons, os ternos, os belos, mas eu não me conformo”, foi o que, citando livremente, lembro-me que disse uma poeta americana, Sarah Teasdale. Alguém que amamos, ou conhecíamos, deixou de existir. Não ouviremos seu passo no corredor, sua voz ao telefone, não teremos longas conversas, não nos reuniremos em grupo de amigos, não contaremos façanhas ou fofocas ou queixas, não trocaremos e-mails. O endereço eletrônico inútil ainda nos espreita no computador, o que fazer? Deletar como se a gente deletasse uma vida? Esta coluna é uma homenagem, não só a um velho amigo que se foi recentemente, como a todas as pessoas queridas que perdi. Homenagens não trazem ninguém de volta, mas talvez ajudem a nós, os que ficamos, a curtir mais, e melhor, o que temos por perto, em lampejos de silêncio e contemplação (ato heróico na correria destes tempos loucos e fascinantes, mas a gente consegue). A morte, intrusa e indesejada, não pede licença: sem bater, escancara num repelão porta ou janela, entra num salto, com suas vestes cheirando a mofo e seus olhos de gato no escuro. Às vezes pega quem mais amamos. E aí, não tem remédio, não tem descanso, não tem nada senão a dor – apesar da nossa natural dificuldade de lidar com ela, a dor é necessária nesses primeiros tempos. É preciso chegar ao fundo desse poço escuro para poder sair dele, ou ao menos ter a cabeça à tona d água. Presenças bondosas, conforto de alguma palavra amiga, saber que os outros estão aí, que ajudam também nas coisas práticas, nos fazem sobreviver. Mas não queiram que a gente não sofra, mesmo nesta cultura nossa do barulho e da agitação, em que no segundo dia já querem que a gente passe o batom e saia às compras. Não por maldade, mas por essa aflição que nos ataca diante do sofrimento alheio, em parte porque ele é uma ameaça à nossa vidinha bem-posta: seremos os próximos? Homenageio aqui a todos os que se foram – embora eu acredite que permaneçam, não importa como, em forma de alma, energia ou memória, o que já seria muito bom: de memórias positivas, que nos iluminem, nos emocionem ou nos façam sorrir, estamos precisados. E homenageio aqui, também, a todos nós que ficamos com a singular tarefa de preservar, no coração e no pensamento, esses que aparentemente perdemos, e de aos poucos retomar a vida – como os mortos gostariam que a gente fizesse. Pois igualmente acredito, com firmeza, que é melhor deixar que os mortos morram (quem viveu isso entende). No começo do luto “tudo é horrível”, dizia uma velha amiga, que havia muitos anos tinha perdido um filho, “mas com o tempo dói menos”. E afinal a vida chama, ainda que no início isso nos pareça um insulto. Pois honrando a vida também estamos honrando os nossos mortos, que, na nossa lembrança não mais crispada, na nossa melancolia não mais indignada, na integração de seus atos e palavras em nós, no que temos de melhor, continuarão vivos. Em última análise, apesar de todo dilaceramento, solidão e lágrimas, a morte (que não é fim, mas transformação), estranhamente, loucamente, tem um poderio limitado: seu dedo cruel e ossudo não consegue encontrar a tecla com que deletar nossos melhores afetos.

quinta-feira, 22 de março de 2012

Saudade batendo forte...

Notícias do lado de cá... estamos caminhando, e tenho certeza de que sempre estaremos caminhando com sua proteção e benção... estamos indo, traçando nossa história, construindo o futuro das crianças, cuidando, educando, respeitando e amando muito uns aos outros... seguimos... a vida deve seguir seu curso... Ontem chamei muito por você, mãezinha... meu coração pedia por um toque, por ver aquele sorriso descontraído e querido que tanto nos alegrava... sentir sua presença, seu jeito de cuidar, seu cuidado em nos agradar, ouvir sua voz, contar como está sendo meu dia... pensei tanto que sonhei... no meu sonho, seu sorriso de sempre, sua alegria de sempre e acordei em prantos... de saudades... acho que é assim, a saudade fica sempre batendo à nossa porta, às vezes com mais intensidade, como ontem...
Saudade de Mãe Pe. Fábio de Melo Coloquei o filtro da arte naquela cena comum, e a luz - que até então estava escondida -, veio surpreender-me com seu poder de claridade. A mulher simples, mãos calejadas de lida rotineira, mulher que aprendeu a curar as dores do mundo a partir de meus joelhos esfolados de quedas e estrepolias. Aquela mulher, minha mãe, rosto iluminado pela labareda que tinha origem no fogão de lenha. Trazia consigo o dom de me devolver a calma, que a vida tantas vezes insistiu em me roubar. Aquela cena: mulher, fogão de lenha, panela preta escondendo a brancura de um arroz feito na hora. É uma das cenas mais preciosas que meu coração não soube esquecer. Saudade de mãe é coisa sem jeito, chega quando menos imaginamos: um cheiro, uma melodia, uma palavra... uma imagem, e eis que o cordão do tempo, nos convida ao retorno da infância. Como se um fio nos costurasse de novo ao colo da mulher que primeiro nos segurou na vida e agora nos pudesse regenerar. Saudade de mãe é ponte que nos favorece um retorno a nós mesmos; travessia que borda uma identidade muitas vezes esquecida, perdida na pressa que nos leva. Saudade de mãe é devolução, é ato que restitui o que se parte; é luz que sinaliza o local do porto, é voz no ouvido a nos acalmar nas madrugadas de desespero e solidão, através de uma frase simples: Dorme meu filho! Dorme! Hoje, nesse dia em que a vida me fez criança de novo, neste instante em que esta cena feliz tomou conta de mim, uma única palavra eu quero dizer: Oh minha mãe, que saudade eu sinto de você!